COMO FICA A SEXUALIDADE DOS IDOSOS?
Maria José Zanini Tauil
A exposição de um drama íntimo, sob
a forma de literatura, permite-nos
refletir sobre esse tema. Clarice
Lispector, em seu conto “Ruído de
Passos”. Eis um fragmento :
“Tinha oitenta e um anos de idade.
Chamava-se dona Cândida Raposo.
Essa senhora tinha a vertigem de
viver. A vertigem se acentuava
quando ia passar dias numa fazenda:
a altitude, o verde das árvores, a
chuva, tudo isso a piorava. Quando
ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora
linda na juventude. Tinha vertigem
quando cheirava profundamente uma
rosa.
Pois foi com dona Cândida Raposo que
o desejo do prazer não passava.
Teve, enfim, a grande coragem de ir
a um ginecologista. E perguntou-lhe
envergonhada, de cabeça baixa:
― Quando é que passa?
― Passa o quê, minha senhora?
― A coisa.
― Que coisa?
― A coisa, repetiu. O desejo de
prazer, disse enfim.
― Minha senhora, lamento lhe dizer
que não passa nunca.
Olhou-a espantada.
― Mas eu tenho oitenta e um anos de
idade!
― Não importa, minha senhora. É até
morrer.
― Mas isso é o inferno!
― É a vida, senhora Raposo.
A vida era isso, então? essa falta
de vergonha?(...)
Diante da obra de Clarice Lispector,
verifica-se que a manifestação da
sexualidade não termina com a idade.
Sendo assim, o ser humano não deve
continuar acreditando que o desejo e
a necessidade da manifestação sexual
na Terceira Idade sejam atribuídos a
questões diabólicas ou que seja um
comportamento negativo em suas
vidas, como era visto na Idade
Média.
Triste o problema da pobre viúva
octogenária. Clarice também discute
esse problema no conto “Mas vai
chover”, dessa vez, uma mulher de
sessenta anos é o foco da discussão;
uma mulher que vive no inferno de
desejo e prazer.Como encarar o corpo
debilitado como algo não fracassado,
inútil, mas como uma escultura viva,
resíduos de prazeres e alegrias, não
só de dor e sofrimento?
No romance “A Obscena senhora D”, a
própria autora Hilda Hilst narra ,em
primeira e terceira pessoa. Ela não
aguenta a vida, foge para um mundo
seu, embaixo da escada. Ela se
corporifica e se enrijece na
narrativa. O movimento da personagem
é narrar para não petrificar a
lembrança, lembrar para compreender,
entender para poder morrer.
A degradação do corpo feminino
também é citada pela escritora
portuguesa Maria Isabel Barreno, em
“Significado oculto de um corpo
velho”. A voz narrativa trabalha a
linguagem como se fossem fios,
reconstituindo a dignidade de um
corpo que, antes da decreptude,
sustentara todos os labores da vida;
refere-se ao corpo velho como um
rico texto a ser lido: “seu corpo
era um texto vivo, a narrativa de
uma vida que ela tinha que honrar”
O mundo oferece mais possibilidades
para serem vividas com o corpo
jovem. Para o corpo velho, os
espaços são restritos por seus
limites. Alarga-se o espaço da
memória, que assume caráter
fundamental na vida dos idosos, que
têm muito o que lembrar e resgatam a
vida através de lembranças de um
tempo em que a sociedade valoriza,
recuperando, por instantes, sua
“importância nesse mundo”.
Pode até parecer trágico, mas a
Bíblia não esconde que a vida do
idoso pode estar acometida de
debilidades corporais.
E a impotência? O rei Davi, com a
idade avançada, já não conseguia se
“aquecer”. (cf. 1rs 1,1). Então, uma
bela jovem foi trazida para seu
serviço, mas, mesmo assim, ele não
manteve relações sexuais com ela.
Sara e Abraão, por mais que
quisessem, não conseguiam gerar
descendentes ( Gn 18,11). Assim
também aconteceu com Zacarias e
Isabel . Em ambos os casos, a
intervenção divina possibilitou o
nascimento de filhos na velhice.
AMOR E SEXO NOS CANTARES DE SALOMÃO,
O LIVRO POÉTICO DA BÍBLIA:
“Que seus lábios me cubram de
beijos! O seu amor é melhor que o
vinho” (1.2)
“Leve-me com você! Vamos depressa!
Seja o meu rei e leve-me para o seu
quarto” (1.4)
“O meu amado tem cheiro de mirra
quando descansa sobre meus seios”
(1.13)
“A grama verde será a nossa cama; os
cedros serão vigas da nossa casa e
os pinheiros serão o telhado
(1.16-17)
“Eu sou do meu amado, e o meu amado
é meu” (6.3)
“Venha querido, vamos para o campo;
vamos passar a noite nas plantações
de uvas...ali, eu lhe darei o meu
amor” (7.12)
“ O amor é tão poderoso como a
morte; e a paixão é tão forte como a
sepultura. O amor e a paixão
explodem em chamas e queimam como
fogo furioso. Nenhuma quantidade de
água pode apagar o amor e nenhum rio
afogá-lo” (8,6-7)
“ Os seus lábios são como uma fita
vermelha, sua boca é linda...os seus
seios parecem duas gazelas, são como
veados gêmeos, pastando entre os
lírios (4,2)
“Eu estou tremendo. Você me deixou
ansioso por amar, tão ansioso como
um condutor de carros de guerra para
entrar na batalha” (6.12)
O idoso pode lidar com conformismo e
rejeição ou levar a velhice com
criatividade. Gosto muito de citar o
exemplo de meus sogros. Ele morreu
com 93 anos; ela tinha 82 na época.
Eles “transaram” até à separação
inevitável. Comemoravam aniversários
de casamento e dia dos namorados.
Não faltava a camisolinha nova, os
chinelinhos, as flores, troca de
cartões apaixonados. No dia dos
namorados de 2005, ganharam página
inteira no Jornal Extra, do Rio.
Falaram de amor e de sexo, de como
um completava o outro.Tinham 64 anos
de casados. Logicamente, esse clima
deve ser construído ao longo da
vida. Não adianta querer resgatar o
que nunca houve.
Toques suaves, carícias pelo corpo,
abraços apertados, beijos calorosos.
Não importa a idade, tudo isso é
sempre bom. As mãos procurando
carinho, dando e recebendo. A idade
não é empecilho para que os corpos
se desnudem diante do parceiro, sem
vergonha e pudores desnecessários.
As marcas da existência reveladas
como troféus de uma vida cheia de
histórias. Ao contrário do que se
diz, vida sexual não tem prazo de
validade.
O médico geriatra, Dr. Rodrigo Dias
afirma que o estímulo sexual para o
ser humano não é algo restrito à
biologia e à reprodução, como na
maioria dos animais. Para o ser
humano, o sexo é reprodução e
conservação da espécie, porém é
também carinho, realização,
fantasias e busca por prazer e se
estende muito além da juventude.
A sexóloga Cleide Borges afirma que
a mulher de 60 anos hoje está mais
exigente em relação ao sexo. O que
era reprimido antigamente agora é
permitido. Essa mulher passa a fazer
questão do orgasmo, mas para isso
nem sempre é necessário a mudança de
parceiro e sim informação. “Hoje
encontramos muitos casais de idosos
procurando ajuda para terem
qualidade sexual em consultorias e
palestras. Eles descobrem que podem
ter uma vida sexual ativa em
qualquer idade e que traz grandes
benefícios à saúde física e mental.”
Mas, em qualquer idade, o sexo exige
proteção. “É preciso alertar para o
aumento no índice de doenças
sexualmente transmissíveis em
idosos, incluindo o HIV. Os mais
velhos raramente usam preservativos,
mas também devem evitar o
comportamento de risco. Casais cujo
desinteresse é total , não foram
parceiros nem quando eram jovens.
Vale dizer que não vivemos na era
histórica da Bíblia. A velhice é
inevitável, mas a medicina aí está,
abençoada por Deus, com remédios
miraculosos, ou quase, para todos
esses inconvenientes, tanto os
masculinos como os femininos.
Que todos nós, munidos da esperança
em Deus, que nos carrega no colo,
cheguemos a uma velhice saudável!
OS VELHOS DE DRUMMOND
Os Velhos Todos nasceram velhos —
desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre —
sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm'idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo
municipal?
Quem infringiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de
monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me veem passar. Não me dão
confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milênios.
Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos.
Carlos Drummond de Andrade, in
'Boitempo'