Ela passou pela
minha vida e as de meus filhos e deixou marcas de ternura, carinho e muito amor.
Era uma
portuguesinha baixinha, falava alto e tinha um lindo sorriso. Adentrou a nossa
vida quando minha filha fez um ano.
Eu havia mudado
para a casa nova, do lado de meus pais e alguém, não lembro quem, recomendou-a
para passar a minha roupa. Ela veio com a promessa de ficar por pouco tempo, até
eu conseguir colocar as coisas em ordem e arranjar alguém para tempo integral.
Eu saía para trabalhar e chegava cansada e sem ânimo. Quando passa setembro,
professora está no bagaço. Repito: veio para ficar pouco tempo. Ficou por 13
anos!
Do ferro, pulou
para a pia, para a vassoura, para o quintal e ficava o dia inteiro na minha
casa. Foi ficando e, principalmente, dando especial atenção aos meus filhos. Foi
mãezona. Sei que ficava mais tempo com os meus do que com os dela. Dava banho,
penteava, ria muito com eles, coçava a perna da Vivi para dormir. Interessante
que pegou a minha filha na fase de aprendizagem da fala. E a menina começou a
falar o português de Portugal . “Ó, mnina!” ; “Dá-me a bassoira!”. Quando iam à
rua, pensavam que Viviane era sua filha, pelos gestos, pela fala, pela
intimidade e carinho.
Eu trabalhava
no turno do meio de antigamente, aquele em que você não vê seus filhos
almoçarem. Eu deixava tudo prontinho, do jeito que precisavam ser alimentados:
saladas, legumes, proteína, o feijão por causa do ferro, etc. Várias vezes
cheguei de surpresa e encontrei o Júnior comendo bife e batatas-fritas. O pedido
deles era ordem para ela. Meu filho não come legumes até hoje.
Eles a chamavam
de “Cina”. Quantas vezes, meu filho, jogado na poltrona da sala, gritava: “
Cinaaa! Traz água!” E lá ia ela, levando a água. Quando vi, a repreendi. “ Cina,
eu não ouso fazer isso com você, como você faz isso? Ele que levante e vá
buscar!”
E ela me
respondia: “Tadinho, dona Mria,” (num sotaque muito dela.)
E assim, meus
filhos cresceram. Eram sempre perfeitos, quietinhos e obedientes, (nas falas
dela)
Na época da
escola, o Júnior ia comigo. A Vivi, numa escola cerca de 500 metros mais
distante, era levada por ela, pois no seu horário eu estava trabalhando. Nunca a
transferi para a minha escola, pois lá ela teve, por 4 anos, a inesquecível e
maravilhosa tia Aidée, outra que não gerou filhos, mas gerou filhos-alunos, tal
o seu amor por eles. Até hoje se comunicam.
Numa época em
que eu fazia parte da equipe de direção, a mãe de um aluno chegou na janela da
secretaria e me perguntou se a Viviane estava doente, Respondi que não. Ela
então contou que viu a dona Alcina levando-a no colo para a escola. Ela já tinha
8 anos! Dei um tempo e liguei para casa preocupada, e perguntei, “por quê?” Ela
simplesmente respondeu: “ A pobrejinha estava canchadinha dona Mria!”
Um dia ela me
falou: “A sinhora prcisa levar a mnina ao médico. Ela se queja de muita dor nos
tornuzelos”. Espantei-me: -Gente! Essa menina nunca me falou de dor alguma! -
Evidentemente, fui perguntar à minha filha que dor era aquela. Ela, com ar de
confidente, falando baixinho, me respondeu: “Fica quieta, mãe! Eu falo isso
para ela colocar as meias e os sapatos nos meus pés, para ir à escola.(Era
sapato tipo boneca, que precisava afivelar.) Briguei com ela, falei a verdade
para a Cina,... mas ela continuou fazendo.
De vez em
quando, me avisava que ia embora, para eu ir arranjando outra pessoa. Sua
família estava muito jogada. Eu arranjava e deixava uns tempos juntas, até pegar
os macetes. Passava um tempo, ela me dizia: “Ou ela ou eu!” e ia ficando.
Muitas vezes,
em tom de brincadeira, eu dizia que ela era a maior “deseducadora” dos meus
filhos. Tornava-os preguiçosos e escondia os mal feitos. “Nunca vi crianças tão
ajustadas e perfeitas na minha vida”. Ela os amava de verdade, embora seus
cuidados, às vezes, fossem prejudiciais.
Quando minha
filha fez 14 anos ela seria avó. A filha morava com ela e era enfermeira, com
dois empregos. Ela tinha que cuidar da neta. Ainda tentou dar jeitinhos,
querendo trazer a menina-bebê e, em dias de chuva, que eu levasse de carro. A
filha obviamente não concordou. “Chega de cuidar dos filhos dos outros! Olhe a
tua neta, mãe!”
Ela nunca saiu.
Vinha uma vez ou outra, pegava uma roupa para passar; se tivesse louça na pia,
lavava. Nunca deixou de ir e ver seus “mninos”.
Os 15 anos de
Viviane foram festejados em dois dias. No dia 16 de setembro, à noite, foi a
missa, Ela havia entrado para o Colégio Militar e foi com o uniforme de gala, o
pai fardado e os colegas, também com uniforme de gala, fizeram o corredor
central para ela passar, com uma Bíblia e uma rosa nas mãos. Enquanto ela
entrava, minha amiga Dóris lia um texto que escrevi, contando dos abortos que
sofri e da promessa que fiz ali, naquela Igreja de N S da Conceição, em
Nilópolis, para que aquela gravidez viesse a termo e que fosse uma menina, pois
era a última tentativa. Dona Alcina chorou a missa inteira e no final, na porta
da igreja, durante os cumprimentos, foi o abraço mais longo e emotivo que a Vivi
recebeu.
A festa foi no
dia 17, no Clube Riviera, na Barra. Foi a pedido dela, caso passasse para o
Colégio Militar.(Prometemos porque não acreditávamos que conseguisse. Concorreu
a 5 vagas. Foi a quinta.) Tudo foi escolhido por ela, com uma maravilhosa equipe
de cerimonialistas, bufê e música. Tudo do grupo “Fascinação”, que era um dos
melhores da época. Lembro que o pai teve uma viagem de promoção, para Argentina
e Uruguai, naquele ano. Recebeu em dólar e dizia por telefone: “Estou dormindo
em quartel e economizando nos passeios para a tua festa, minha filha!”
Quando chegou
aquela hora do cerimonial, em que familiares eram homenageados com buquês de
flores, havia para cada homenageado um texto especial, feito por mim e lido pelo
apresentador, que era um radialista com voz imponente e uma jovem bailarina, que
fez a coreografia dos amigos e da aniversariante. Até o pai dançou valsa com
coreografia e o avô paterno, adentrou o salão para dançar pela primeira vez.
Negou-se no seu casamento, nos dos filhos, mas não no da única neta.
Então, foram
receber flores as avós, a madrinha Vera, tia Wilma, a tia Rosa, que confeccionou
os trajes , eu....
Dona Alcina não
contava com a homenagem. Seu espanto foi bem visível e temos registrado em
gravação. Ela saiu do lugar em que estava com as mãos no rosto, subiu as escadas
do palco chorando copiosamente e foi emocionante o abraço. Creio que o mais
sentido pela minha filha, pois foi o único em que chorou.
Meus filhos
casaram e ela sempre presente. Foram embora do Rio, mas sempre que vinham de
férias, lá estava ela para curtir os “netos”.
Hoje moramos
nós e filhos no mesmo bairro, mas ela nunca foi esquecida e sempre falávamos em
buscá-la, um dia, para passar um fim de semana conosco. Infelizmente, a morte
nos pegou desprevenidos. Não deu tempo. Nunca devemos deixar para depois.
Trabalhou até o fim da vida. Nem ao enterro fui; soube muito em cima, não deu
tempo; só fui à missa de sétimo dia.
Aquela mulher
pequenina, mas de uma fortaleza imensa e uma dedicação ímpar, hoje faz parte da
nossa saudade e das mais doces lembranças. Lembro dela diariamente, pois assisto
missas diárias, pela TV. Na hora dedicada aos mortos, sempre mentalizo meus
pais, meus sogros, meu irmão e cunhada, a Vera e ela, minha Cina, minha amiga,
minha portuguesinha inesquecível.
Sei que
impulsiva e inquieta do jeito que era, deve sempre estar ajeitando algo aqui,
algo ali, lá, no céu, no lugar maravilhoso que Deus reservou para ela. Mulher
sem cultura, que amava a Deus profundamente e evangelizava a todos com o seu
modo de ser, pela doação ao semelhante, pelo seu imenso amor pelos filhos, pelos
netos... e pela minha família. Ela era nossa... sempre será, embora muitas outras
famílias tenham tirado casquinha.
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