Como professora, sempre me achei como a flecha, cuja missão é apontar o caminho
certo. A minha tarefa era direcionar para além de mim, rumo ao infinito. Nunca
quis ser espelho, perante o qual os jovens parassem para se contemplarem em
mortíferos narcisismos. Feliz fui por ser janela aberta, permitindo a visão de
horizontes longínquos, passagem franca para as nuvens.
Não
me julgo mestre de ninguém; não tenho discípulos, mas indico o mestre invisível
que habita na alma de cada um. Sinto-me muito feliz quando o viajor, orientado
pela legenda da minha seta, me abandona e vai em demanda da meta indigitada, em
espontânea liberdade, em busca da longínqua felicidade.
É
difícil viver aquilo que se sabe. Outrora, toda a minha filosofia estava na
cabeça, em forma de grandes ideias. Mais tarde, ela desceu para o coração, em
forma de belos ideais e eu, na minha erudita ignorância, me tinha em conta de um
filósofo. Proclamava aos quatro ventos a minha sapiência. Quando, porém, tentei
passar as ideias para o coração e deste para as mãos, para a crueza da vida
prática, para o rude prosaísmo da vivência cotidiana, confesso... desanimei!
Percebi nessas tentativas que eu subia o Gólgota, seria crucificada. Da cabeça e
coração para as mãos...por acaso não é isso uma cruz? Ontem tão segura, tão
autocomplacente, hoje sangrando por ver diluído o sonho maior de colaborar para
um país melhor, com homens melhores. Eu, que achei ter tanto para dar, como se
fosse milionária do saber, tive a boca amordaçada, recebendo saberes prontos,
pensados por cabeças alienantes, pessoas destituídas de coração, muito menos de
amor.
Desde então, tentei realizar em humilde silêncio uma pequenina parcela das
minhas grandes teorias (ou utopias?). Feliz me dava quando conseguia viver um
por cento tanto das ideias quanto dos ideais. Enveredei pelo caminho estreito,
passei pela porta apertada, deixei para cá da fronteira toda aquela bagagem
idealizada. De ontem, de anteontem.... Bem pouco conseguiu passar pelo fundo da
agulha da vida real. Toda aquela luxúria mental e verbal parecia um ilegal
contrabando. Renunciar me parecia sinônimo de fraqueza... e eu detestava ser
fraca! Só pode renunciar jubilosamente, o ser que transborda de riqueza e
plenitude interior. Ser forçada a renunciar é, certamente, escravização, mas
renunciar espontaneamente é proclamação de suprema liberdade e independência.
Aprendi que estabelecer dentro de si o grande tratado de paz traz riqueza
interior. Não há necessidade de correr atrás dos pequeninos grãozinhos de ouro e
migalhas de prazer que formam o cobiçado alvo da luta . Sim... uma luta de
quarenta anos. Uma vida totalmente dedicada à educação e ao ensino. Muitas
histórias de vitórias para contar... mas quantas de derrota, por influência de
uma máquina enferrujada, emperrada,um poder devastador que não se beneficia com
o fato de formar homens de bem. Uma aprendizagem comprometida com a politicagem,
para que haja mais e mais manipulação. Professores desmotivados, amordaçados,
vendendo “verdades” com as quais não compactua, sem salários, sem perspectivas
de futuro...
Eu,
que um dia saí da escola normal olhando o futuro com lentes azuis,
aperfeiçoei-me em cursos universitários, cursos de apuramento; hoje
sinto-me como aquele personagem bíblico que não multiplicou nem dividiu seus
dons...mas enterrou-os. Sim... enterrei meus sonhos de educadora por causa do
sistema.Uma andorinha só, não faz verão.
Por
isso, para mim, Mestre é, foi e será Jesus de Nazaré. O único caminho para criar
vida abundante. Ninguém pode viver gloriosamente sem que tenha morrido
espontaneamente.
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