Calma! As elegantes figuras da foto não são os britânicos
de Liverpool: John, Paul, Geoge ou Ringo! Os Beatles fizeram uma revolução na
música, desde que apareceram tocando ao vivo “Please Please”. Cada corte de
cabelo,música, entrevista, alterou os pensamentos dos jovens que buscavam
cultura. Esses meninos foram o retrato de toda a geração dos anos sessenta. Até
hoje são lembrados como a maior banda que passou pela Terra. Depois surgiu a
banda Rolling Stones. Esses tinham atitude, enquanto os Beatles eram
arrumadinhos; eram a alma meio suja e desorganizada do Rock. Esses
influenciaram a rebeldia na música.Mas os Beatles eram o máximo! Nenhuma outra
banda que apareceu depois, faria sucesso se eles não tivessem existido.
Mas... por que falar de Beatles, se apareceu em pleno
bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, Anchieta, o quarteto “OS DELFES”,uma
corruptela de “DELFINS”, na mesma década? Cloves (Calil Cunha, guitarrista
solista), Luiz Franco, Ramiro Lyrio e Paulo Franco. Meninos cheios de sonhos,
de ideais, mil projetos de futuro. Tocavam e cantavam canções conhecidas pelo
público. Eles tinham o mesmo encanto, (afinal, os Beatles estavam tão longe... e
eles, bem perto!) também fizeram as menininhas suspirarem, eram jovens puros,
pobres e dividiam o sonho com trabalho, para subsistirem e estudarem. Confesso
que fui macaca de auditório deles! Apresentavam-se em clubes e em bailinhos do
Esporte Clube Anchieta.Lembro até de um casamento, no Clube Royal, onde deram um
show. Foi o melhor da festa.
Essa formação durou pouco. O Cloves saiu do grupo. Casou cedo, morava longe,
trabalhava, estudava. Não tinha como acompanhar. Surgiu o Trio LKF, que
participou de festivais estudantis, apresentações em churrascarias e na Boate
Plaza.
Dedilhavam seus violões e nasciam suas próprias canções. Não aguentaram muito.
O que ganhavam não pagava os gastos.
O sonho foi deixado de lado, em termos. Casaram e precisavam prover as famílias.
Jamais esqueceram a música, que tanto
os uniu. Cada um na sua, continuava, nas horas vagas, compondo e dedilhando seus
violões. Paulo Franco
foi o mais perseverante. Apesar da
luta por um lugar ao sol, o mercado fonográfico é muito fechado, as
grandes gravadoras deixaram de existir e os persistentes, fazem uso das
gravadoras independentes para gravarem seus CDS. Nem todo o mundo tem a audácia
de alugar o Canecão, com a cara e a coragem, e estourar, como o fez Elymar
Santos.Muitos nem chegam à mídia. É o caso de Paulo, que compõe, canta e grava
sozinho, (ele e sua voz em vários tons) tem o seu espaço no site Coração Bazar e
se apresenta em algumas casas noturnas, mostrando grande versatilidade de
estilos, comprovando mais talento que muitos famosos.Possui alguns vídeos também
no youtube.
Há dois meses, 2 de maio de 2016, um desses meninos
partiu: o primeiro da esquerda, na foto principal. Faria nesse três de julho
setenta anos: Calil Cunha, o Clóves. A dor cala profunda, dói e percebemos. Os
olhos choram emoções vividas. Por que adeus? Por que o fim? Do quadro, só ficou
a moldura... e muitas lembranças. Este era um poeta introspectivo, escrevia
muito, guardava para si. Era um baú de mágoas, alegrias, tristezas, culpas,
desejos de resgatar erros que são como rios, não voltam mais para se fazer de
novo e melhor.
Só que poeta não morre; transforma-se em borboleta e voa
para o céu... lá longe, onde busca inspiração, entre nuvens, estrelas, luar
prateado...e anjos! Clóves registrou sua passagem, deu seu recado, abriu
sorrisos, fez lágrimas rolarem de emoção. Cativou, amou, brincou com as
palavras, construiu esperanças.
Fragmentos de canções feitas por ele:
ANTIGAS:
“O
meu samba ficou triste//quando você foi embora.//tamborim perdeu o couro//e a cuica sempre chora.
Carnaval já não existe// no trabalho, perco a hora //o meu samba virou choro //a
saudade me devora.”
( de “O meu samba ficou triste”)
“Vem, amor, solta o corpo e dança//brinque feito criança//que o baile já vai
acabar//
Vem, amor, não fique encabulada//da vida não se leva nada//não há tempo pra
esperar.”
(De “Tristeza não cura solidão”)
ATUAIS:
“Dá-me, amor, a inspiração//para num verso
perfeito//deixar gravada// a mais doce melodia//para quando//meus lábios não
mais cantarem//essa paixão// que vivi// me faça vivo”
(de “Tudo por um verso”)
“Faço meu som de estrada//com voz desconhecida// no eco dos cata ventos// que
trazem a música do tempo//
É sinfonia do acaso// em pautas de anoitecer// só para dizer//que eu amo você
(de “Música íntima”)
“Por que a tristeza, se existe a alegria?
Por que não o riso, dando lugar ao pranto?
Por que a mentira se existe a verdade?
Por que ter inimigos se podemos ter amigos?
Por que o rico não faz o pobre ser menos pobre?
Quero a comida farta,
Para que a palavra fome
Saia de vez do mapa
E da vida dos desvalidos”
(fragmento
de “Por quê?”)
Muitas eram suas indagações.
Porque poeta indaga tanto, meu Deus?
Depois de tudo isso, só posso dizer com muita convicção:
poeta não morre...ele simplesmente voa para uma poesia MAIOR!
Que seja belo o seu voo, Clóves Alírio da Cunha Cordeiro! |