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Não desligues o celular, Renato! Por favor! Preciso falar depressa, meus
créditos podem acabar!
Quero que saibas da angústia que me devora, que corre sanguinária pelas minhas
veias. Preciso falar-te que fui apresentada à solidão e os anseios turbilhonam
no meu ser, enquanto a tristeza, há muito tempo, apagou o meu sorriso.
Eras a minha serenidade, a minha calma. Preciso falar-te do orgulho,...esse
mesmo que me impedia de te procurar,
de dizer que estavas certo. Foi covardia, foi medo. A raiva de mim mesma agita
meu coração... eu não sei lidar bem com ela. Minha pouca inteligência derreteu
como sorvete exposto ao sol. A minha alegria? Ela só existiu quando estavas em
minha companhia e as emoções ainda estão bem vivas no meu espírito. Sim, preciso
falar-te do sentimento que pressiona meu peito, meu cérebro, minha razão e me
faz sofrer tanto. Em contagem regressiva, lamento os dias em que deixei de
beijar-te, abraçar-te, tomar contigo aquele vinhozinho ao pé da lareira, nas
noites de inverno, ou o chazinho de camomila, que preparavas nos momentos de
tensão, com tanto carinho.
Lembra quando éramos jovens? Não temíamos nada nem ninguém, éramos meio
narcisos, nos achávamos lindos e feitos um para o outro. Tínhamos os pés na lua
e nos irritávamos com a incompreensão alheia. Queríamos mudar o mundo, no
entanto, foi ele que nos mudou. Amávamos tanto a Deus e, ao mesmo tempo,
perguntávamos se ele existia. Que contraditórios são os jovens!
Eu te traí, é verdade! Achei que era um amor maior e melhor... pura ilusão!
Cega, nem lembrei que enfermidade não tem idade para chegar. Ela chegou e me
afogou nesse mar de dores e lamentos. Fiquei só e percebi que o teu amor foi o
que de mais precioso aconteceu na minha vida...
Pronto! Falei tudo que estava atravessado por tantos anos na garganta. Só
preciso do teu perdão para ter paz. Mas fale alguma coisa!
Estou falando sozinha!
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Acabou? Pensei que tinha engolido uma vitrola! Na minha vida, não passaste de um
eletrodoméstico, uma televisão “viciante”, mas soltavas uma irradiação que me
foi muito prejudicial e sinto esses efeitos até hoje. Vais morrer? Isso me causa
estranheza, pois pensei que já estivesse morta há muito tempo. Calculista como
és, te multiplicaste por zero na minha vida. Não és nada. Te perdoei há muitos
anos, num dia de finados. Agora vou desligar. Estou ocupadíssimo com uma gata
impaciente, gostosa,muito saudável, grudada no meu pescoço.
Boa morte!
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